sexta-feira, 28 de março de 2008



O primeiro dia passou num encher e esvaziar dos pulmões. Não me fez confusão absolutamente nenhuma entrar e sair daquela casa e pensar que era de vez. Não me fez confusão porque ainda estava viva em mim, à minha volta, presente porque sim, porque existe. Não me assolapou nenhum sentimento de abandono ou perda; estava demasiadamente ébria para isso, demasiadamente rápida, eficaz, alheia. O risco de sermos apanhadas tem destas coisas, e ainda bem. Estou viva.
Hoje foi diferente. Não foi mau, mas diferente. Voltei à casa e, estranhamente, senti-a mais minha do que quando lá vivia - é a velha história de darmos mais valor ao que perdemos, ainda que, neste caso, a questão da perda tenha nuances que não consigo encaixar numa frase cliché. A casa deixou de ser apenas uma casa e passou a ser o jardim com a relva grande demais - por falta de quem a corte -, as flores que a minha mãe plantou nos canteiros e que, na Primavera e no Verão, adoçavam as minhas tardes, e a varanda, a mais importante, a varanda. Cerca de 8 a 10 metros de chão com mosaico, paredes brancas, pilares castanhos - dos quais nunca gostei muito - um banco de plástico, cheio de pó. Esqueci-me por alguns minutos a pressa de arrumar coisas, de passar roupa a ferro, amansar o gato, fazer, fazer, fazer. Depressa. Esqueci-me do relógio que rebentava de urgência na parede, por três minutos, talvez. Só aí senti pena, nostalgia. Nada de grave, mas o suficiente para me deixar encostada à porta, de olhos perdidos pelo verde, o branco, os vermelhos e aquela grande linha esborratada de azul, ao fundo, o rio, o meu Tejo. Aí, tive saudades de coisas estúpidas como dos dias de agonia em que estudava, ali sentada, para os exames nacionais. Tive saudade do que pensei, do que senti, das epifanias - por mais breves que tenham sido - que me ofuscavam nas nuvens do céu azul, das minhas tardes de Verão.
Para onde vou não vejo o rio. Lembro-me, invariavelmente, d'Os Maias, da casinha na rua de S. Mamede (seria? não tenho a certeza), do Ramalhete, de cujo jardim se via apenas uma nesga do Tejo, e os paquetes que por lá passavam. Eu também vejo uma nesguinha de Tejo, entre antenas de televisão. Se chegou para o Afonso, chegará para mim, com certeza.
A nostalgia acaba-se quando sacudo com veemência a inutilidade destes pensamentos. Corro outra vez, rápida, eficaz - mas não alheia. Não consigo evitar a saudade do que fica para trás e foi bom - mais não seja porque sou portuguesa e, suspeito, tenho o Fado mais entranhado em mim do que possa admitir - mas é mais premente o sorriso do futuro que espreita por entre a minha nesga de Tejo. Penso, com um pé fora da porta, que não vale a pena chorar. Não vou deixar de escrever, só vou mudar o cenário das palavras que tenho para dizer.

A ouvir:Placebo - Johnny and Mary

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