quarta-feira, 27 de maio de 2009

O que tem de ser tem muita força sempre foi uma expressão que me deixa contrafeita. Quando diz respeito a coisas do foro afectivo, deixa-me melancólica. Tem toda uma aura de restruturação e essa restruturação, porque tem muita força tende a ter força por não partir de nós. Tem de ser. Tem. Deixa-me melancólica. Não gosto de despedidas, não gosto de fins. Em todos os sentidos para além do literal. Não gosto de dizer adeus a pensamentos que são meus mas já não fazem sentido.
Não gosto nem é o termo. Deixa-me melancólica. E da melancolia até gosto, mas não me deixa feliz.
E se um dia as águas turvas do esquecimento se acercam de mim e me roubam a preciosidade de quem sou, do que fui construída. Tenho um medo que é real de perder a vida ainda em vida. De ser aquela velhota simpática que anda perdida por ruas que palmilhou durante anos. De ser a velhota simpática que perde coisas e faz piadas sobre isso, até se esquecer que esqueceu e ser só a velhota simpática que é simpática por não ter memória de nada que lhe faça rancor.
Queria ter uma biblioteca de sebentas com datas e memórias de todos os dias que perdesse, mesmo aqueles em que não aconteceu nada para além de pintar o cabelo e ir ao café com os amigos. Sobretudo esses dias. Sobretudo os amigos. Os amores. As paixões assolapadas e as paixões passageiras, das quais me ria meses depois. Até os "fraquinhos", que normalmente são sempre giros de recordar.
Ler um diário que não recordamos ter escrito, que não é nosso porque não há nada que nos pertença para além do funcionamento dos orgãos e a passagem das horas, é semelhante a ler o diário de outra pessoa qualquer. Mas pelo menos teria lá o nome, o carimbo de que naquela sebenta estaria eu, naquele período de tempo, quando me lembrei de escrever numa folha de papel parte das histórias que desenham os traços do que sou.
Nunca tive feitio para diários. Se algum dia esquecer, lá se foram 22 anos de vida. Não penso sempre nisto. Quando penso, fazem-me falta todas as pessoas, todos os risos, todas as lágrimas. Fazem-me falta todos os erros e cicatrizes. Quando me lembro arrependo-me de todas as vezes em que pedi para esquecer. Até a dor me sabe bem.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Contacto. Os teus lábios perto dos meus. Sempre os teus lábios perto dos meus. Nunca o inverso.
Nunca o tempo necessário para sentir o suspense. Contacto.
Contraria-me a falta de liberdade de agir no ímpeto de te agarrar no topo das tuas escadas, chegar os meus lábios dos teus, segredar-te qualquer coisa em confidência. Sempre o medo. O medo de ser ouvida. O medo de te mostrar que não és um passatempo semanal, que ora vem, ora vai. O medo que julgues um beijo por mais do que é. Que te assustes, que te julgues uma estrangeira na tua própria pele.
Constrange-me sentir-te a pele e o arrepio que me dá, às vezes, sem carta branca que me dê permissão.
Contacto. Vezes e vezes transmitido em filme dentro de mim. O topo das tuas escadas. Entrar e fechar a porta à indiscrição. Não te dizer nada. Contacto. Dar-te um beijo. Ir-me embora. Contacto.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Arritmia emocional. Dislexia. É esse o título. Dez páginas, pouco mais, enchendo o período.
Acelera.
Desacelera.
Vira à esquerda.
A outra esquerda.
Merda,
enganei-me no caminho.
Arritmia.
Dá-me um cinzeiro e cigarros dos baratos e conto-te a história no sorver de 10 miligramas de nicotina. Talvez um copo de vinho.
Sim, dá-me um copo de vinho.
Desacelarou.
Afinal estou em casa e os cigarros baratos estão a acabar.
É o cinzeiro que os come agora, porque eu estou a pensar.
Uma guinada à direita, é isso. Já está. Já me lembro.
Merda, já me lembro.
Lembro-me do quê?
Desculpa, lembro-me para quê? Era isso que queria perguntar.
Lembro-me porque não há o tal copo de vinho para esquecer.
Já não há?
Não faz mal. Também não me apetece beber.
Arritmia.
Perdi-me.
É impossivel conhecer realmente os outros. Por mais anos que passem. Conhecemos o modus operandis, prevemos reacções a estimulo x ou y, mas não a conhecemos. Não a conhecemos a sério.
Seria desejável? Não sei. Não sei se queria saber tudo. Mas dou por mim curiosa
por que é que se riu assim?
o que é que quis dizer?
o que quer dizer?
o quê?

E rio-me. Às vezes choro. Depois esqueço-me e julgo que afinal até é possivel.

domingo, 3 de maio de 2009

hábitos

- estou esquisita.
- pois estás. não estou a gostar muito. o que foi?
- estou a pensar nas gajas.
- pois, mas isso já estou habituada.


E eu já estou habituada que penses que estou a pensar "nas gajas", quando, na verdade, estou a pensar em ti.
Estou habituada que fiques contente quando um gajo rançoso te atira um piropo de segunda e dizes que serviu para subir o ego.
Estou habituada que não repares que reparo em ti e que o teu ego não suba quando te mando eu um piropo, mesmo que o faça a brincar para não te assustar.
Estou habituada a ter de reparar nas "gajas", para me distrair de ti.