quinta-feira, 30 de julho de 2009

O desassossego diluiu naturalmente na quietude das horas. Na cama que ainda não arrefeceu, conserva-se muda a vergonha e o rasto leve da fuga.
Sim, o travo seco das palavras apartou-se e fluiu com a brisa da noite pela janela entreaberta do quarto, agora mais frio e solene.
Estou cá eu, só. Os lençois desalinhados não se comprometem. As portas fechadas do armário não advinham a ausência dos teus vestidos, calças e camisolas, repousados no sofá da tua avó, a dez minutos daqui.
Os ténis desencontrados já não vagueiam pelos tapetes. O creme hidradante retirou-se finalmente, tirando-me a graça de o espalhar a seguir ao banho e lembrar-me de ti.
Pensava que tinha mais dias e rendi-me ao luxo de me zangar por coisas que não importam, como sempre acontece quando se julga ter mão no tempo.
Deslocada, uma garrafa de água lamenta o abandono. O resto, silêncio e braços vazios.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

É dificil perceber em que medida devo ficar feliz, ou infeliz. Reviro as folhas meio apática, meio comovida. Meio dormente, meio agitada. Culpo as hormonas por esta parte.
Não sei em que medida compensa o esforço de falar disto. Não tem poesia, estética ou qualquer coisa outra que embeleze esta meia dúzia de linhas.
Feias e toscas, deixo as palavras como megalíticos. Como os anos que as trituraram.
Os anos revistos e manuseados como coisas, factos. Pelas mãos e olhos de estrangeiros. Estrangeiros os anos para mim, não inteiramente meus, como os vivi.
O meu hoje de hoje foi o teu hoje de ontem.
Para nós, a justiça foi servida em tabuleiro de prata.

terça-feira, 21 de julho de 2009

Está em cima da escrivaninha. Ou debaixo da cama, já não sei. Podes espreitar e dizer-lhe olá, falar sobre a Revolução Industrial ou os usos básicos das figuras de estilo nos poemas de cartilha arrecadados na estante.
Está debaixo da cama e, se o cotão não te incomoda, podes deitar-te ao lado dela. Podes visitá-la, como eu, quando a figura presente deixa de agradar. Podes visitá-la, como eu, com a curiosidade de desvendar cortinas e portas cuja saída se perdeu.
A menina, tímida, dorme no soalho vazio do masoleu da adolescência febril. Brinca com esferas e cubos e palavras e planos importantes escritos a tinta vermelha.
A menina, baralho estruturado em castelo, repousa nos tons quentes e castanhos da disfunção controlada, da sede do elogio, da fome de verdade.
A menina tem futuro e palmadas nas costas do sucesso.
Não fala, mas diz. Não ouço, mas escuto.
O que não fiz, o que perdi, o que não sou.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Frágil

Queria que fosse mais fácil. Não de mãos beijadas, mas mais fácil. Normal. Como aos outros.
Queria que estivesse ao alcance da pequenez dos meus braços.
Queria que fosse tema de conversa na esplanada do café e que os meus amigos fizessem piadas sobre mim.
Queria experimentar o toque de palavras em papel sem urgência de desabafo.
Queria não me sentir enjeitada, nem descartável.
Queria que, desta vez, os parabéns fossem para mim. E os sorrisos e as esperanças e o amor.
Queria que doesse, mas que no fim houvesse beijos que limpassem a dor.
Queria que não fosse só eu, invariavelmente, a lamber as minhas feridas em secretismo, a dar os parabéns, a sorrir, a desejar, a abraçar, a fazer piadas sobre todas as vidas que não sou.

Jorge Palma - frágil
O passar tremendo das horas. Todos os penosos 3600 segundos, tic tac tic tac no relógio velho e feio, encaixado num canto escondido da ansiedade.
28800 segundos em que vendo o corpo que nem uma rameira. Mas não é pelos algarismos que figuram no talão, nem pelo gosto de pertencer. Não pertenço e sou uma rameira sem chulo, de costas livres da chibata capitalista.
As horas da invalidez emocional. Do desajuste e da saudade. Da perda de coisa alguma em especial. As horas de processar pensamentos com prensa de sapateiro, a quente e vagarosamente, tic tac tic tac, ao ritmo dos ponteiros rudes que riem jocosamente entre si.
As horas que me expiam os projectos e ressentimentos empacotados. As horas que desorganizam os orgãos, esmagam os sentidos.
As horas, boas, as horas do prazer. Tão ou mais crueis que as outras, rápidas a queimar no rastilho dos dias. As horas sem ponteiros de plástico da loja de conveniência, passam tão depressa que julgo que não as vivi.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

São só coisas. Afinal são só coisas. Dispersas. Desarrumadas.
Há cinza no chão. Há mais de dois dias. Violência das horas que me comem o corpo e o deixam exausto, aqui, onde existem coisas. As tuas coisas. Não se me prendem nostalgicamente porque o teu calor já não mora aqui.
Apetece-me dizer que te odeio. Só porque sabe bem. Só porque é a única vingança que tenho de mim para mim, contra a agrura das memórias que me dissecam o pulmão e abafam o quarto. Não te odeio. É forte demais, robusto demais para a caixa dos pacotes de açucar, postais e coisas, coisas, que me lembram de ti.
Não te odeio, mas também não te quero, sem saber como não querer, quando a confiança se me esvai entre as linhas da palma da mão, sem teres culpa, agora, que já passou.
Podes dizer-me que não tenho razão, não tenho, e adoçar-me os sentidos com o gosto do teu abraço. Mas, a mim, abafa-me a convulsão de repetir hoje, como ontem, a imagem do engano. Nem sempre, nem todas as horas. Nem todos os meses. Quando a fragilidade toca, fere, vai embora. Lembro, calo, finjo, esqueço-me de ti.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Às vezes a mágoa trespassa-me com a força das correntes capadas de uma barragem. Apetece-me negar-te todas as palavras. Tantas quanto as que usaste para me mentir.
Mas o tempo já passou.

Cool hipnoise - dantes