quarta-feira, 26 de março de 2008

Às vezes sinto a tua falta. Não daquela maneira que dói e se amaldiçoa. Não com desespero ou tristeza, pensando que esvoaçaste como um lenço para outros ares, de outras dimensões. Mas sei que sinto qualquer coisa que é quase saudade, quase melancolia, ainda que não o chegue a ser, porque não dói, apenas acaricia, ao de leve. Porque não estás, fisicamente, nem te alcanço com a generosidade de apenas o querer, entrego-me ao sabor de músicas que sei tuas, como se nelas conversasses comigo e nelas contasses o teu dia; um misto de pequenas aventuras, algumas atribulações, praguejos diversos apimentados pela rezinguisse de te roubarem vida com tarefas que tens de fazer. Acima de tudo, vibram-me as cordas da guitarra algures entre a garganta e o espaço imenso que é o coração - sim, o coração, esse suspeito do costume -, vibra-me a doçura das letras, das vozes, das melodias, com o encanto de as saberes e elas saberem a ti.
Às vezes, quando sinto que o corpo se me entorpece e se transfigura, aninhada sobre mim mesma, como uma criança, sinto e sei que estou frágil. Sinto, e sei, que era capaz de te contar a vida como uma história, embora não o faça, mesmo que o abraço que me embala fosse o teu, e não apenas os meus braços adormecidos.
Agora, que algures em mim algo treme como tremiam as mãos pequeninas da minha meninice, gostava de te contar o meu dia, de dizer coisas que te fizessem rir e de saber que não te estava a contar tudo, mas que poderia, se quisesse, contar-te tudo. Talvez o fizesse, quem sabe. Se a nota certa me fizesse vibrar, como um tremor de terra, o chão, as paredes, as portas e as trancas que guardam aquelas coisas que tenho medo de contar.

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